Opinião: Os melhores de 2016

Imagem: Ilustrativa 
Por Sergio Marcone Santos
Como estamos mergulhados numa crise, fruto de políticas econômicas equivocadas e muita corrupção, faltou dinheiro no bolso para investirmos em muitas coisas, inclusive em cultura. Mas ainda é possível tirar leite de pedra dando um jeitinho.

No ramo da música a coisa ficou difícil com os vários serviços de streaming que agora detêm exclusividade sobre determinados artistas. Gente como Beyoncé e Adele possui exclusividade para lançarem suas obras nestas plataformas, o que faz uma corrida para elas, mas também deixam muitos sem ouvir suas vozes.

O cinema... ahhh, o cinema... está num momento difícil. O que faz bons filmes é boas histórias, e estamos carentes delas. O que está acontecendo com os roteiristas? Tento uma explicação. Precisamos de crises profundas para poder criar. Parece que nossa imaginação depende de um certo aperto para que se solte e produza obras profundas. É só lembrar do pós-segunda guerra, em que precisamos praticamente reconstruir o mundo. Nossas crises atuais não são poucas, mas são manjadas. Não nos estarrecem mais. Convivemos com o Isis, com o morticínio na Síria e com a iminência de uma guerra de grandes proporções sem nos imiscuirmos com tudo isso. Como vivemos numa narrativa de si próprios, o que acontece alhures não nos diz respeito porque não “nos narra”. Logo, historietas frouxas e muito, mas muitos super-heróis no cinema.

Mas vi um filme no Netflix que me fez ter novamente esperança. Chama-se “Marguerite” (2015, Fra/Bel/Che, dir. Xavier Gianolli) e conta a hilária história de uma cantora de opereta aplaudida e elogiada na França na década de 1920, mas que possui um detalhe singular: ela não sabe cantar. O filme versa sobre auto-engano, bajulação e tem aquele toque maravilhoso de direção de arte que só os europeus tem (inclusive ganhou o Cesar, o Oscar francês nessa modalidade).

O que tem nos salvado são as séries. Diante da grandiosidade da saga “Game of Thrones” e da bela trilha sonora de “Stranger Things”, acabei por ver, também, as três temporadas de “Ray Donovan”, sendo que as duas primeiras me surpreenderam. A história que mistura as vigarices de Los Angeles sob a ótica de um faz-tudo do crime, com boxe e abuso sexual infantil tem momentos de ouro com as ambiguidades de seus personagens. “The Ameriacans”, com sua trama se passando na época da Guerra Fria é uma grata surpresa; e em “The Affair” a sequência de acontecimentos a partir da ótica de seus personagens. Em tempo: A HBO vai repassar “Westworld” a partir da primeira semana de janeiro. Vou rever para ver se entendo alguma coisa.

Ainda sobre TV, vi muito o canal “Arte 1” (do grupo Bandeirantes). É o que traz de melhor no mundo da dança, da música e das artes plásticas. O desconforto fica por conta de intervalos comerciais sem comerciais e, consequentemente, inúteis. Destaque também para a TV Câmara e a TV Senado. Ambas bateram recordes de audiência transmitindo as erupções picarescas de nossa política.

No jornalismo online, destaco o site “O Antagonista”, com vários furos de reportagem (e a “barrigada” homérica sobre a vitória de Hilary Clinton) sobre tudo que envolveu nossa república,  e também o “beco sem saída” dos jornalões. Tanto aqui quanto fora, eles  enxergaram (e têm enxergado) pouco da realidade que se apresenta pelo mundo.

Na literatura, continuo pirado com o segundo e terceiro romances da série napolitana de Elena Ferrante  – “História do novo sobrenome” e “História de quem foge e de quem fica” (Biblioteca Azul) -, que nos sugere a volta das grandes narrativas em que há uma espécie de suspensão do Mal, ou seja, uma vitória da representação humana.

Outro livro que me chamou a atenção foi “O Reino”, de Emanuel Carrère (Alfaguara). Carrère, ex-católico, resolveu escrever as histórias de São Paulo e São Lucas não só do ponto de vista biográfico, mas com imensas pitadas de vida. Isso mesmo. As crises que fizeram o autor romper com o catolicismo faz de “O Reino” uma purgação que muitos de nós precisamos (é dele também a biografia “sui generis” de Philip K. Dick).

Outra coisa maravilhosa foi o lançamento dos livros de Theodore Darlymple. Quer entender esse período louco em que estamos vivendo? Leia-o, mas esteja disposto a repensar o seu calabouço de pensamentos. Darlymple destrói e reconstrói o mundo a partir de sua vivência como médico na Inglaterra. “Podres de Mimados” e “A Vida na Sarjeta” são alguns de seus títulos lançados pela  “É Editora”.

Sobre as mortes em 2016, não preciso citar todos os nomes. Mas a morte de David Bowie mostrou ao mundo o quão se pode ter dignidade na saúde e na doença. Logo fiz um contraponto com nossos artistas que estão entre os 70 e 80 anos. Vendo suas biografias a cada dia tão distantes de suas obras (não raro geniais), percebo que eles não sabem envelhecer. Falam bobagens demais, posicionam-se politicamente sem escrúpulos e se esqueceram de produzir na atualidade o que mais importa: obras de excelência. Cada povo tem os artistas que merece. Nós os merecemos? Bowie fez seu réquiem, cuja beleza plástica (vide o clipe de “Lazarus”) e a ousadia sonora (uma espécie de jazz progressivo minimalista) de “Black Star” provam que, como sempre, ele está à frente de seu tempo (desculpem o clichê).

Leonard Cohen foi um dos maiores letristas que já vi em minha vida. Sua poesia é de uma beleza que se fosse o prêmio Nobel sério, e já que queria namorar a música, daria a ele o louro.

Prince. Um gênio da música. Ousado, entre a loucura, o histrionismo e a androginia (tal qual Bowie, mas em épocas deferentes, logo, abordagens diferentes). Incômodo. Sentia isso em Prince. As pessoas se sentiam incomodadas com ele. Alguns conhecidos têm antipatia por aquela figura. E é para ter mesmo. É papel da arte e do artista causarem isso. Parabéns, você que o acha chato. Você está chegando lá. Enquanto você patinava, ele desfilava sua guitarra e suas belas canções.

Por falar em mortos, a MPB se transformou em MFB – música fofa brasileira. Tudo muito certinho, um docinho de coco e, claro, insosso. Destaco como razoáveis lançamentos, “Tropix”, de Céu, e “Amor Geral”, de Fernanda Abreu. Há muito deixei de acompanhar a cena indie, mas vi que as bandas Bahiana System e  The Baggios estão na lista dos melhores álbuns do ano. A conferir. Para desopilar o stress no trânsito, gostei muito quando o rádio tocou “GDFR” do Flo Rida e “Bang” da Anitta (antes de me xingarem, respeitem meus cabelos, brancos).

No mundo da net, amei o radio.garden/live com rádios do mundo inteiro, numa interface bem bacana. Gosto muito das emissoras da Suíça e da Suécia, mas não dispenso a de Gaza.

No mais, continuo curtindo muita gente morta. É, eu acho que também os vejo.
Postagem Anterior Próxima Postagem

نموذج الاتصال