Bolsonaro já gastou mais com cartão corporativo do que gestão anterior

Foto: Cristiano Mariz| Agência O Globo
Faltando um ano para o fim de sua gestão, o presidente Jair Bolsonaro já gastou R$ 29,6 milhões com cartões corporativos. O montante desembolsado até dezembro do ano passado, custeado pelo erário, é 18,8% maior do que os R$ 24,9 milhões consumidos ao longo dos quatro anos do mandato anterior, dividido por Dilma Rousseff (2015-2016) e Michel Temer (2016-2018). Só em 2021, as despesas chegaram a R$ 11,8 milhões, o maior valor dos últimos sete anos. Perde apenas para os R$ 13,3 milhões registrados em 2014, quando Dilma era presidente.

No mês passado, os cartões exclusivos da família presidencial foram usados em compras que somaram R$ 1,5 milhão, valor mais alto, para um único mês, dos três anos da atual administração. Bolsonaro passou os últimos dias de dezembro em férias no Sul do país.

As cifras, corrigidas pela inflação, dizem respeito às faturas de 29 cartões vinculados à Secretaria de Administração da Presidência da República, que estão sob a responsabilidade do presidente, de seus familiares e auxiliares mais próximos. De acordo com o próprio Palácio do Planalto, dois deles ficam permanentemente sob poder de Bolsonaro. Os cartões são usados para despesas do cotidiano, como refeições do chefe do Executivo durante viagens. Todas, porém, são mantidas em sigilo, sob argumento de que a eventual divulgação colocaria o presidente em risco.

Mudança de discurso

Quando era deputado, Bolsonaro se apresentava como um crítico ferrenho do benefício. Em 2008, durante um discurso na Câmara, ele desafiou o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva a “abrir os gastos” com o cartão. Ao assumir a Presidência, no entanto, Bolsonaro reproduziu o comportamento de seus antecessores. Contrariando os números do Portal da Transparência do governo, ele vem afirmando que tem sido “econômico” no uso do instrumento.

Em agosto de 2019, ainda no seu primeiro ano de mandato, Bolsonaro chegou a afirmar que daria transparência às aquisições realizadas e divulgaria algumas faturas, algo que não ocorreu.

— Eu vou abrir o sigilo do meu cartão. Para vocês tomarem conhecimento de quanto gastei. Ok, imprensa? Vamos fazer uma matéria legal? — disse, em uma live semanal.

Mais recentemente, há duas semanas, o discurso mudou. O presidente criticou pessoas que, segundo ele, questionam os valores gastos com o cartão corporativo. A apoiadores, justificou que os montantes pagam “até a alimentação das emas”.

— Cartão paga a alimentação das emas, tá, pessoal? Pessoal fala: ‘Ah, gastou tanto’. Eu tenho 50 emas aí, galinheiro, pato, peixe, quatro cães. Uns 200 almoçam, jantam e tomam café aí, por dia — alegou.

O GLOBO levou em consideração os dispêndios presidenciais desde 2013. Só a partir daquele ano, o governo federal passou a divulgar separadamente os gastos específicos que envolvem o titular do Palácio do Planalto e sua família de outros custos da Presidência, como Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e Gabinete de Segurança Institucional (GSI).

Caso parado no TCU

Diante do aumento de despesas do ocupante da principal cadeira da República, cresce a pressão para Bolsonaro dar transparência a elas. No ano passado, a Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara aprovou uma determinação para que o Tribunal de Contas da União (TCU) realizasse uma auditoria em um total de R$ 14,8 milhões gastos com os cartões do governo, incluindo, além da Presidência, as faturas da Abin e do GSI.

O resultado da análise, porém, está sob sigilo na Corte. O relator do processo, ministro Raimundo Carreiro, foi indicado pelo próprio Bolsonaro para assumir a embaixada do Brasil em Portugal. Carreiro chegou a levar a auditoria para o plenário analisar na semana passada, mas voltou atrás na véspera da sessão. Assim, nem mesmo os demais ministros tiveram acesso ao seu voto nem ao conteúdo da auditoria.

A gerente de projetos da ONG Transparência Brasil, Marina Atoji afirma que a resistência à divulgação dos gastos com os cartões corporativos é apenas uma das mostras de que Bolsonaro é avesso a diferentes instrumentos de transparência e fiscalização ao poder público. Para ela, o presidente transforma as decretações de sigilo, que deveriam ser exceção, em regra.

— O presidente mantém sigilos sobre sua carteira de vacinação, há os problemas constantes na divulgação de dados sobre a pandemia, a questão do orçamento secreto e outros — lista Marina.

A Secretaria-Geral da Presidência da República informou que os maiores custos do cartão foram para apoio às viagens presidenciais. “Com efeito, quanto maior for o número de deslocamentos para cumprimento da agenda presidencial, maiores serão, proporcionalmente, os dispêndios a serem incorridos para as suas devidas concretizações”, argumentou. Questionada se Bolsonaro, em tempo de arrocho fiscal, adotou alguma medida para economizar nos gastos, a secretaria respondeu que as despesas são realizadas “obedecendo critérios de aquisição mais vantajosos para a administração pública federal”.

Fonte: O Globo

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