Cachoeira: Leia o discurso completo do orador do 13 de março que irritou Tato Pereira

Foto: Reprodução | YouTube 
Foi divulgado nas redes sociais o discurso completo do orador da Sessão Solene na Câmara de Vereadores, em homenagem aos 181 anos de elevação da cidade da Cachoeira neste 13 de março. O professor Mestre Alfredo Junior foi o escolhido para proferir o discurso em 2018. Durante o pronunciamento do professor de História, o prefeito Tato Pereira se irritou e se retirou da Câmara Municipal (saiba mais).

Leia a íntegra do discurso:

SESSÃO SOLENE –
13 DE MARÇO DE 2018 181 ANOS DE ELEVAÇÃO À CATEGORIA DE CIDADE CACHOEIRA – BAHIA

Profº. Ms. Alfredo Júnior

"Bom dia, prezado povo cachoeirano! Saudações às autoridades presentes e/ou representadas, (etc.) oportunamente mencionados… Inicialmente, convém registrar minha imensa e sincera gratidão aos nobres edis, nas pessoas da ilustre Srª. Ana Cristina e do Presidente desta Casa, Sr. Júlio César, pela honrosa indicação. Agradeço humildemente, pois não acolho este convite por vaidade ou mérito pessoal, mas pela imperdível oportunidade de esboçar algumas palavras, na tentativa de representar o que o nosso povo cachoeirano quer e necessita falar, e que muitas vezes se negam a ouvir! Espero não frustrar as expectativas, embora o nosso objetivo aqui não seja o de angariar elogios pela oratória, mas principalmente contribuir de forma concreta para despertar o nosso povo acerca da Cachoeira que estamos construindo… a Cachoeira que queremos!

Nesta perspectiva, imbuído de enorme júbilo, confesso que nunca me senti tão cachoeirano quanto hoje. Escolhido pelo Poder Legislativo para representar os clamores e perspectivas do nosso povo. Imagino a alegria e responsabilidade de vocês, que ainda mais honrados, foram eleitos pelo povo para nos representar cotidianamente. Quanta confiança depositada em cada um de vocês, que não pode ou não deve ser traída por interesses pessoais ou por conchavos políticos que sejam diametralmente contrários ao verdadeiro espírito da política do bem comum, do bem coletivo.

Quero dedicar este discurso à “Mocidade Vibrante e Altaneira”, não apenas a do passado, mas principalmente a juventude do nosso tempo, que carrega em seu coração e mente um grande potencial para protagonizar as necessárias transformações sociais. Uno a minha voz à de Gonzaguinha: “eu vou à luta com essa juventude, que não corre da raia a troco de nada!”. Aos que já não são mais tão jovens por parâmetros etários, dedico este pensamento de Dom Helder Câmara: “o segredo de ser eternamente jovem é ter uma causa a que dedicar a vida!”. Portanto, convicto estou que temos aqui hoje um público jovem, filhos amados, soldados e heróis.

Não obstante, celebrar o 13 de março de 2018, os 181 anos de elevação de Cachoeira à categoria de cidade, é rememorar a história heroica de honras e glórias, mas principalmente fincar bases sólidas, um alicerce seguro e fecundo para a construção de um futuro ainda mais glorioso, justo e resplandecente! A meu ver, a História não é uma ciência morta, que deva se restringir a relatar e relembrar as célebres trajetórias de grandes vultos da nossa história ou de datas marcantes de um passado longínquo. A História é, na verdade, a ciência que estuda o passado para melhor compreender o presente e construir o futuro. Obviamente, não pretendo subestimar a nossa história e o nosso povo de outrora, mas concentrar esforços na reflexão do nosso tempo presente e construção do futuro, a fim de não tornar este momento repetitivo e prolixo.

Ora, missão complicada tentar definir o conceito de futuro, considerando que não sou vidente. Mas sem precisar de bola de cristal, estamos convictos de que urge falar do presente, pois o futuro é sempre uma utopia percorrida incansavelmente, e quando, um dia, o conseguirmos alcançar, já não será mais futuro, será o nosso grande presente de aniversário: reviver toda a glória de nossa Cachoeira! A História é viva, História é vida. Portanto, façamos grande o nosso porvir!!!

Permitam-me iniciar esta homenagem à nossa terra, citando um pensamento atribuído ao revolucionário Che Guevara que norteará o nosso discurso: “Um povo que não conhece a sua História está condenado a repeti-la”. Caso tenha causado desconfiança e retorcer de narizes nos mais conservadores, menciono de outra forma e em outras palavras, pautado nos grandes mestres Marx e Engels:“A História só se repete em forma de farsa ou de tragédia!”. Neste sentido, vou pedir licença aos grandes vultos históricos da nossa cidade, autores de uma admirável epopeia no passado, para engradecer os igualmente diletos cidadãos cahoeiranos do nosso tempo, que fazem a diferença hoje, e que estão construindo as bases sólidas de um futuro menos sofrido e mais justo e igualitário.

Cachoeira, Cidade Heroica e Monumento Nacional, foi um dos primeiros núcleos populacionais organizados do território baiano. Após a chegada dos portugueses, e do massacre imposto às populações nativas, foi criada a Freguesia de Nossa Senhora do Rosário da Cachoeira, em fins do século XVII. Pouco tempo depois, fora elevada à categoria de Vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira. Uma das principais rotas comerciais da Bahia, Cachoeira tinha relevância inquestionável para a economia nacional. Em 13 de março de 1837, por meio da Lei Provincial nº 43, em justo reconhecimento por seus grandes feitos, Cachoeira foi elevada à categoria de cidade. No mesmo documento, que inclui o decreto de elevação de Santo Amaro da Purificação, o presidente da Província da Bahia, Francisco Paraíso, ressaltara que Cachoeira merece o título de Cidade Heroica.

Ora, fica evidente por sua trajetória que a tendência natural e histórica de Cachoeira é se elevar, se emancipar, melhorar, conquistar dias melhores. Um povo responsável pelas lutas que ocasionaram o primeiro passo para a Independência do Brasil, em 25 de junho de 1822, é igualmente capaz de continuar a caminhar hoje, à passos largos e otimistas, em direção a um futuro mais humano, justo e glorioso. Sem se deixar intimidar por nada e ninguém.

Isto posto, permitam-me ainda fazer algumas propositais digressões anacrônicas no afã de me fazer compreender no presente, utilizando exemplos de um passado que insiste em nos perseguir. Como nosso lugar de fala é suprapartidário, não pretendemos favorecer nenhuma sigla ou coloração política, e temos a liberdade de dizer que estamos emprestando a nossa voz ao grito silenciado na garganta do nosso povo que ainda hoje sofre e é perseguido de diversas e perversas formas.

Não queremos mais viver, em pleno século XXI, uma Monarquia Absolutista aos moldes europeus, ou mesmo o Coronelismo vigente na Primeira República do Brasil, onde o povo vivia cabisbaixo, aglomerado em currais eleitorais e obrigados ao voto de cabresto, desenganado e vitimado pelos mandos e desmandos dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Em nossos dias, numa República dita democrática, temos o direito de exigir nossos direitos, sobretudo quando os vemos golpeados, desrespeitados no âmbito federal, estadual ou municipal.

A  Carta Magna do Brasil, a Constituição Federal de 1988, afirma que o povo é o titular do poder político, e acrescenta: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Portanto, com autoridade de cidadão, afirmo que num Estado Democrático de Direito, quem não escuta os clamores do povo não é digno e não está preparado para representá-lo, para servi-lo. Não aceitamos ser súditos obedientes e passivos, somos cidadãos com direito a voz e vez.

Não se trata de simples ameaça. É uma animadora constatação de que o nosso povo está despertando e se organizando cada vez mais. Prova disso é que jamais aceitaremos que a violência e a corrupção se tornem rotina em nossa cultura, em nosso tempo. É inaceitável que ainda hoje outros “Tambor Soledade” sejam vitimados pelo descaso do poder público e tombem pela violência cruel que está dizimando a população negra de Cachoeira e do Brasil. Nosso povo negro está sofrendo um verdadeiro e cruel genocídio, e isso não é vitimismo, é fato, comprovado pelas estatísticas e pela nossa experiência cotidiana. Teremos que responder pela negligência, nos responsabilizar por tantas vidas ceifadas e sonhos interrompidos.

Na Cachoeira que sonhamos e que queremos construir a partir de agora, não vamos admitir que desrespeitem o nosso povo e fechem nossas escolas, em hipótese alguma. Destacamos a nossa recente conquista, com a Determinação Judicial para reabertura da Escola Almerinda Pereira, na Opalma. Fechar escolas é cercear os horizontes e perspectivas das nossas crianças e jovens, é negar-lhes um futuro melhor. Fechar Escolas é crime e não podemos compactuar com tais atitudes.

Compreendemos que a educação é a chave, a única força capaz de mover e mudar o mundo. A única forma de melhorar o Índice de Desenvolvimento Humano de um povo é garantindo a implementação dos direitos básicos previstos na Legislação Federal, sobretudo a educação, janela que se abre para um futuro melhor. Como se não bastasse não termos a modalidade específica da Educação do Campo em Cachoeira, com metodologias e propostas curriculares adequadas a este público, ainda tem quem defenda as arbitrariedades dos que fecham, sem justificativas plausíveis, as Escolas que temos no campo e na cidade. Não dá pra aceitar, se omitir ou apoiar medidas de tamanha gravidade. Somos provas vivas que a Casa Grande entra em pânico quando a Senzala se reúne, se organiza e reage unida. A luta não acabou: #TodosPelaEducação #SomosTodosQuilombolas.

Exigimos uma Educação de qualidade, comprometida com a formação em valores, que possibilite o desenvolvimento dos indivíduos numa perspectiva crítico-reflexiva, libertadora e emancipatória. É nosso direito conquistado e garantido em legislação específica – a LDB –, a realização de concursos públicos, Plano de Carreira e Formação Continuada para os professores, Piso Nacional respeitado e cumprido o quanto antes, a comunidade escolar e as famílias têm o direito de participar da construção do Projeto Político Pedagógico e apresentar propostas para uma gestão escolar democrática.

Precisamos também de uma efetiva valorização dos nossos músicos, artistas, grupos culturais, filarmônicas e quadrilhas juninas. Queremos vê-los respeitados e valorizados o ano inteiro, e não simplesmente inseridos nas grades das programações das festas da cidade, isso não basta. Nossos jovens talentos precisam de investimento, pois são portadores de sonhos e de um potencial enorme de crescimento. Basta que sejam vistos e apoiados por políticas públicas e convênios sérios. “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte!”

Renomado centro cultural, artístico e turístico do Recôncavo da Bahia, a sede da FLICA, precisa ser conservada em estado permanente de desenvolvimento, promovendo eventos e encontros diversos que valorizem e incentivem a produção artesanal, literária e artística do nosso povo. Faz-se necessário sublinhar ainda que, há mais de uma década instalada em nossa cidade, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, tem transformado vidas, nos ensinando a respeitar e acolher as diferenças, e conviver com docentes, discentes e servidores que já fazem parte da nossa comunidade, que sempre soube ser acolhedora, aconchegante. Não podemos deixar de mencionar que a UFRB foi responsável pela digna e justa homenagem ao reconhecer e conceder a nossa já Doutora na arte da vida e da resistência, o título de Doutora do Samba de Roda: Dona Dalva Damiana.

Ora, “é preciso estar atento e forte…” No atual cenário macro e micro da nossa lamentável e desanimadora realidade política, o período da Ditadura Civil-Militar no Brasil está tentando se restabelecer. A censura, as perseguições políticas aos que ousam pensar diferente, parece ser uma opressora sombra a nos perseguir no presente. Não precisamos viver escondidos e temerosos, a liberdade de expressão e o pluralismo político são princípios básicos da nossa Constituição, e precisam ser prática concreta em nossos dias. Chega de privilégios, de favores restritos a um determinado grupo, enquanto outro sofre o abandono e esquecimento quase absoluto. Queremos e merecemos respeito, a nossa dignidade humana precisa ser vista e respeitada pelo poder público. Não estou aqui a mendigar favores pessoais ou privilégios para alguns; estamos exigindo, como titulares do poder democrático, que os nossos direitos sejam respeitados e efetivamente cumpridos por quem quer que seja, agora e no futuro. Pois ninguém é eterno e o nosso povo não é bobo!

Cachoeira não tem dono! A História se encarregará de julgar e conservar na memória do nosso povo as mazelas que sofremos e continuamos sofrendo; não esqueceremos as “danças das cadeiras”, a disputa desenfreada de forças politiqueiras, os conchavos oportunistas que traem a confiança que o povo depositou nas urnas. E agora, ao assumirem o poder, esquecem das necessidades e clamores de quem os elegeu. Não vamos aceitar que o povo sobre mais uma vez, que percamos o lugar que conquistamos com muita luta e coragem. Não vão nos enganar: queremos ter voz, vez, lugar!

Numa sociedade realmente democrática, o debate ideológico, maduro, sadio e civilizado não contraria ou diminui o poder político ou o seu representante legal. Ao contrário, serve para o crescimento mútuo, para construirmos uma sociedade mais próxima do desejo e das necessidades do nosso povo. A ação de criticar de forma construtiva não torna o seu autor meu inimigo, pois até no âmbito político, ele está apontando possiblidades, caminhos que podem ser alternativas na construção de um futuro promissor.

Não precisamos e não queremos consagrar no cenário político nenhum “mito alienado” para dirigir a nossa nação. Queremos sim, contar com a ação consciente, pacífica e revolucionária do nosso povo. Que sabe bem o que quer e para onde vai. Bastante representativo do momento que vivemos, o nosso grande compositor e cantor dissera: “a gente precisa de um super-homem, que faça mudanças imediatas!”. Em nosso contexto, preferimos contar com o coletivo, com os super-homens e super-mulheres, guerreiros, verdadeiros heróis incansáveis na construção de uma sociedade mais justa, humana, fraterna e realmente igualitária.

Não trata-se de mera composição de narrativa ou entusiasmo efêmero pela recente passagem do dia 8 de março, mas, de fato, queremos uma Cachoeira que reconheça e valorize as mulheres. Uma cidade com equidade e justiça de gênero, com representantes femininas competentes em todos os poderes e âmbitos da sociedade. Pois, lugar de mulher é e sempre será onde ela quiser. Precisamos lutar para barrar a violência doméstica, a violência contra a mulher, que atinge índices alarmantes em nosso município e em nosso país.

Oh Cachoeira! “Terra adorada pelo valor. Será sempre desvelada pelo nosso amor, abrasador, LIBERTADOR!” Quem ama não aprisiona ou impõe sua vontade ao outro, amor pressupõe liberdade. Ah, tão sonhada liberdade: seu povo clama, Cachoeira! Talvez se faça necessário um novo processo de Redemocratização do Brasil, e de seus Estados e Municípios, pois precisamos nos reerguer do golpe e enfrentar, sem temor, os golpistas que se instalaram no poder. Precisamos reencontrar o caminho da esperança, do combate real e não tendencioso e seletivo da corrupção. Reencontrar o caminho e aprender como se constrói e vive a plena democracia.

Numa cidade de patrimônio arquitetônico e riqueza cultural inegáveis, na qual o sincretismo é indissolúvel, precisa reinar o respeito mútuo e o fim definitivo de todas as formas de preconceito e de intolerância religiosa. Precisamos de um povo que valoriza sua identidade, mas respeita as diferenças. Juntos podemos muito mais!

Nesta Sessão Solene, na Casa da Cidadania, é com muita honra e alegria que brindamos e celebramos Cachoeira em seus 181 anos da elevação à categoria de cidade. Mas o que queremos, de fato, comemorar num futuro não tão distante, é a total e efetiva emancipação, a elevação de todo o nosso povo, sem distinção, à categoria de CIDADÃOS, com todos os seus direitos garantidos. Utopia? Talvez…

Reza a lenda que o que diferencia o sonho da utopia, é que enquanto o sonho é realizável, a utopia é inalcançável. Mas será que a democracia, o direito ao voto universal (inclusive das mulheres), a República, a organização dos Sindicatos, Conselhos e Movimentos Sociais também não foram pensados algum dia no passado como meras utopias? Ufa, então conseguimos!!!

Enfim, “eu acredito é na rapaziada e na moçada”, boto fé na força motriz da História: a revolução!

Sim, querer é poder… afinal, todo poder emana do povo, do povo organizado e unido. Portanto, concluo: Cidadãos cahoeiranos, uni-vos!

Muito obrigado pela atenção e oportunidade!

Viva a Cachoeira! Parabéns Cachoeiranos!"
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