Nem bandido, nem herói: autor de documentário defende lugar de personalidade para Lucas da Feira

Foto: Reprodução/História em quadrinhos lançada em 2010
Por Orisa Gomes
Bandido ou herói? Enquanto opiniões taxativas tentam definir Lucas da Feira em uma palavra, Feira de Santana perde a oportunidade de conhecer melhor a rica história de um dos seus filhos mais marcantes.

Na contramão da marginalidade atribuída a Lucas Evangelista (nome de batismo), uma pequena parcela de historiadores, curiosos ou apenas apaixonados pelo escravo rebelde do século XIX, tenta dar lugar digno à vivência de quem lutou como pôde pela liberdade.

Entre as divulgações está o documentário (assista abaixo) feito por estudantes de jornalismo, com o propósito de ultrapassar os limites da faculdade e chegar às escolas públicas, para proporcionar aos mais novos contato com as informações sobre uma figura indispensável à história de Feira de Santana.

"Lucas da Feira: a ferida ainda aberta" é o título, e quem explica que ferida é essa é um dos autores do documentário, o estudante Jonathan Santos. “É a ferida do racismo, do preconceito que ainda está aberta na sociedade”, critica.

Inspiração de liberdade X medo e rebeldia

Cangaceiro nascido filho de escravos em 1807, na fazenda Saco do Limão, no que seria hoje o bairro Pedra do Descanso, Lucas pertenceu, a princípio, a Anna Pereira do Lage. Passou ao domínio do Padre José Alves Franco, e posteriormente, ao pai do padre, Alferos José Alves Franco. Na última transição, segundo relatos históricos, ele fugiu para as matas da cidade, em meados do ano de 1828, se juntando à uma quadrilha, e permaneceu na condição de fugitivo por 20 anos. Para uns, representava inspiração de liberdade; para outros, medo e rebeldia.

“De certa forma, a maior luta de Lucas da Feira foi simbólica no coração dos outros cativos. Ao ver um negro que impunha medo à sociedade da época, certo furor de liberdade gritava no coração dos outros escravos”, acrescenta Jonathan.

Grande história de Feira

A escolha de Lucas da Feira para tema do documentário se deve, segundo o estudante - que desenvolveu o projeto com os colegas Bruno Andrade, Maiane Santos e Alan de Sá – ao fato do escravo ter uma grande história, que não é tão explanada. “As crianças de escolas públicas mal sabem quem é Lucas da Feira”, afirma acrescentando que, em uma constatação básica, se parar cinco pessoas na rua e perguntar quem é Lucas da Feira, até três não vão saber.

Com o propósito de reverter esse desconhecimento, foi feito o documentário. “A ideia era levar para as escolas, para passarmos um pouco da história da cidade e suas figuras marcantes. Além de Maria Quitéria e outros que já são mais mostrados, houve um negro, escravo, que se rebelou, montou um formato de cangaço e, de certa forma, levou terror ao estado da Bahia”, frisou.

O projeto, que tem a pretensão de divulgar também a história de outras figuras e construções marcantes em Feira, ainda depende de recursos financeiros para ser colocado em prática. “Quando a gente fez esse documentário, a ideia era fazer uma série de documentários, ressaltando personalidades da cidade. A gente tem, por exemplo, Padre Ovídio, e só se conhece o nome do colégio, mas não sabem quem foi a personalidade. A igreja dos Remédios tem uma história belíssima, a própria Maria Quitéria é um ícone, mas muita gente só conhece a história superficial. E quando a gente busca trazer essas personalidades, [o objetivo] é trazer a história viva da cidade e não só a história que é narrada”, diferenciou.

Importância de Lucas

Peça fundamental na história de Feira de Santana. É assim que Jonathan define a importância de Lucas da Feira, que viveu em período de extrema barbárie da escravidão no Brasil e se recusou a baixar a cabeça.

De acordo com Jonathan, a história de Feira de Santana foi ao longo dos anos sendo contada pelos coronéis e barões, que deixaram de fora figuras como Lucas. “Então, é muito importante dizer para nossas crianças, para o público em geral: ‘Olha, a gente teve um cara aqui na cidade que foi rebelde, que tumultuou, que fez tudo que estava ao alcance dele para não se render ao sistema escravocrata da época’”.

Que lugar Lucas da Feira ocupa na história feirense, que lugar deveria ocupar?

Na opinião do estudante, Lucas tem papel importante na história do Brasil, já que, relata Jonathan, até o imperador da época tinha conhecimento de suas ações e incentivou o governo do estado a capturá-lo. “O grito de resistência, de certa forma, foi até nacional”, valoriza.

E acrescenta que Lucas da Feira merece um lugar de mais importância do que o que tem. “Os órgãos públicos de Feira de Santana devem ressaltar a existência de Lucas da Feira. Deixar de lado a discussão se era herói ou bandido. Lucas foi uma personalidade que ajudou a formar a história de Feira de Santana e é assim que ele tem que ser lembrado”, pontuou.

Homenagem

Lucas Evangelista foi capturado, posteriormente enforcado e sepultado no dia 25 de setembro de 1849. Em 1989 o vigário-geral da Catedral de Santana, monsenhor Renato Galvão, colocou uma placa registrando o sepultamento do escravo em frente a uma das portas laterais da Catedral de Santana. Nas palavras do jornalista Jânio Rêgo, um dos admiradores de Lucas da Feira, a colocação da placa foi feita sem nenhuma solenidade e por iniciativa própria do monsenhor e à revelia de historiadores e autoridades, com a mensagem: “Diante dessa porta foi sepultado, a 25 de setembro de 1849, Lucas Evangelista (Lucas da Feira). Paz à sua alma”.
Foto: Reprodução / Blog da Feira
O jornalista lembra, em texto publicado no Blog da Feira, que em 1989 o aniversário da cidade era comemorado em 16 de junho contra o entendimento de Galvão, que defendia uma outra data, justo essa em que hoje se comemora depois de uma mudança oficial: 18 de setembro. Mas aí já é outra história.

Assista:


Fonte: Acorda Cidade
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