'É necessário falar sobre o suicídio,' defende sociólogo do Observatório Social da Juventude da UFRB

Antonio Mateus Soares | Foto: Divulgação
O suicídio é um fato social emblemático à condição humana, se institui como um ato voluntário a morte e rompe bruscamente com sentidos e nexos de preservação da vida, que na cultura humana sempre foi compreendida como uma dádiva - criacionista para alguns e evolucionista para outros. Mesmo fazendo parte de um dos ciclos da vida, a morte a nega de forma incompreensível, sendo sinônimo de finitude e desespero. Enquanto fenômeno, o suicídio surge como uma possibilidade distorcida de colocar fim a uma dor existencial insuportável. Esta ação de auto extermínio tem colocado muitos pesquisadores da saúde mental e das ciências humanas em processo contínuo de pesquisa e debates.

Para o sociólogo Antônio Mateus Soares, o tema do suicídio historicamente é cercado de tabus, silêncios e complexidades analíticas, ele acrescenta que a primeira pesquisa relevante sobre este tema foi escrito no final do século XIX, em 1897 pelo sociólogo francês Émile Durkheim. O fenômeno cresceu progressivamente e segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), é a segunda causa de morte entre adolescentes e jovens de 15 a 29 anos.

Por muito tempo o suicídio foi um assunto “proibido”, havia perversos estigmas e uma forte censura midiática no trato da temática. Inclusive a falta de diálogo sobre o assunto ficou conhecida como “efeito Werther”, em referência a um personagem de um dos escritos de Goethe: “Os sofrimentos do jovem Werther”, publicado na Alemanha em 1774, o autor contava a história de uma jovem que cometeu suicídio após uma frustração amorosa e o comportamento de sua família e amigos foi de silenciamento.

O comportamento silencioso se alterou através do desenvolvimento de pesquisas e campanhas a exemplo do Setembro Amarelo, mês simbólico destinado à conscientização e prevenção ao suicídio. A partir das últimas décadas estudos começam a sugerir que reconhecer a problemática do fenômeno e falar sobre ele, pode de fato reduzir a ideação suicida. O sociólogo e pesquisador da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Antônio Mateus Soares defende a necessidade de se falar sobre o assunto suicídio de forma cautelosa, com rigorosidade científica e em perspectiva interdisciplinar, dada a pluricausalidade do fenômeno.

A Organização Mundial da Saúde – OMS, em relatório divulgado da ONU, aponta a complexidade do fenômeno suicídio que afeta todos os segmentos sociais, com incidência ampliada entre as minorias sociais, população com menor acesso aos direitos sociais. Neste sentido, a parcela da população mais afetada pelo autoextermínio, são os trans, gays, indígenas e negros, parcela da população que sofre com pressões culturais, exclusões econômicas, julgamentos e estigmatizações desde muito cedo em sua trajetória de vida. Em relação à questão de genêro/sexo, às meninas tem maiores índices de tentativas e os meninos maiores números de auto execuções.

O Brasil tem liderado às estatísticas de depressão e suicídio na América Latina, e ocupa a 8ª posição no mundo. Entre 2007 a 2016 foram registrados 106.374 mortes por suicídio no Brasil, sendo a 3ª causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos, se configurando como um problema de saúde pública de grande força epidêmica. O Ministério da Saúde divulgou recentemente que no Brasil acontece um suicídio a cada 40 minutos, o equivalente a 32 casos de óbitos voluntários diários. Pesquisa recente da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria, revela que o Brasil se encontra na contramão do mundo em relação ao controle dos índices de suicídio juvenil, apresentando evolução de 24% entre adolescentes e jovens, em sua maioria do sexo masculino e cor negra.

O sociólogo Antônio Mateus Soares, enfatiza através dos dados do Ministério da Saúde, que o suicídio entre adolescentes e jovens negros é 45% maior do que entre os brancos. Entre os fatores para analisar este grupo específico, destaca o racismo estrutural, o desemprego, a exclusão e o estigma que são indicados pelo pesquisador como fatores preponderantes, e que demanda intervenção do Estado através de ações específicas no desenvolvimento de políticas públicas.

A taxa de suicídio no Brasil segue a média de 5,5 óbitos a cada grupo de 100 mil habitantes. O sudeste é a região em que acontece mais suicídios, o nordeste ocupa a última posição. Entre os Estados Brasileiros São Paulo e Rio de Grande do Sul lideram às estatísticas de casos de suicídio, a Bahia ocupa a 7ª. posição. Para Antonio Mateus Soares, a compreensão do fenômeno suicida é multifatorial, mas o preponderante é de ordem mental aprofundado pelo adoecimento na maioria das vezes não acompanhado por tratamentos psiquiátricos. A ausência do reconhecimento dos transtornos, e a falta de acesso e acompanhamento por profissionais especializados, sobretudo médicos psiquiatras e psicólogos, agudinizam o sofrimento do indivíduo.

A atuação do fator biológico na produção da ideação suicida se associa a dispositivos culturais e econômicos, a exemplo do fetiche do consumismo, espetacularização da vida, tirania do gosto, ditadura do belo, severas pressões estéticas, invisibilidades sociais entre outros fatores que contribuem para auto boicote. As variáveis se ampliam e apresentam distorções, quando analisadas sobre os recortes de classe, raça e gênero, associadas a uma sociedade de ampla concentração de renda e exclusão social.

A cidade de São Paulo, conhecida nacionalmente pela sua opulência financeira, tem a maior população suicida do país, segundo Antônio Mateus Soares, nesta parcela da população o imperativo do sucesso e da felicidade são cifradas na vida das pessoas como única condição de existência, imperativos numéricos e estéticos passam a ser percebidos como fórmulas padronizadas para se fazer pertencer a determinados grupos, ampliando a ansiedade, o stress, o medo e a incerteza perante a vida. Algumas pessoas distorcem sua relação com o tempo, vivem um presente de angústias e tristezas, na expectativa de serem felizes no futuro. A disseminação e uso descontrolado da tecnologia, as novas modulações da inteligência artificial, e dependência das redes sociais podem também ampliar conflitos existências e deformar a compreensão de sua presença no mundo. A exclusão social e a difusão de um acirramento político de interesses ideológicos tóxicos entram também em um combo perverso que ampliam a dor do existir.

Para a psicóloga Tânia Costa Duplatt, os principais fatores contributivos para o suicídio entre os adolescentes e jovens podem esta associados aos dilemas das idades, distúrbios de humor com depressão, transtornos abusivos com o uso de substâncias, a exemplo de álcool e drogas, esquizofrenia, distúrbios de personalidade e ansiedade. O uso excessivo de redes sociais também podem contribuir como um dos fatores estressores para o ato. A psicóloga acrescenta que cerca de 90% dos suicídios podem ser evitados e às Campanhas como o Setembro Amarelo devem fortalecer às redes de acolhimento e oportunizar momentos de conscientização coletiva que devem durar durante todo os períodos do ano, estando presente nas instituições de convívio a exemplo da família e da escola. A psicóloga orienta que em situações de risco é recomendado ligar o número 188 do CVV – Centro de Valorização da Vida, que atende durante todos os dias, 24h e de forma gratuita.
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