"Projeto Cidadão Calolé" uma experiência pioneira na zona rural de Cachoeira

Por Alzira Costa*
Dentre as coisas que a perversidade destruiu e segue destruindo em Cachoeira, está o projeto de desenvolvimento agrícola coletivo sustentável "Cidadão Calolé". O ódio e o atraso político persisentes e muito aguçados ainda nos dias atuais, promoveram a destruição da maior e mais avançada experiência para o desenvolvimento econômico e social implantado em área quilombola de Cachoeira no final da década de 1980 ao início da década de 1990.

Fotos: Divulgação 
O "Projeto Cidadão Calolé" nasceu no seio da luta de dezenas de famílias de posseiros constantemente ameaçados de expulsão da terra pelos donos de uma usina de cana de açúcar, que sucedeu a antiga Opalma, fabricante de azeite de dendê. O prefeito era Salustiano Coelho de Araújo e o governador da Bahia, Waldir Pires.

Salustiano abraçou a luta dos posseiros e conseguiu assegurar o direito de permanência das famílias ameaçadas na comunidade do Calolé. Não foi uma luta fácil, pois do outro lado, estavam homens poderosos de grande poder econômico e influência política em todo o Nordeste. 

Com o direito à terra assegurado, restava para o governo municipal saber o que fazer para transformar a vida daquelas famílias que enfrentavam muitas dificuldades para sobreviver.

Após pesquisas e muitas reuniões com representantes dos posseiros e da prefeitura foi elaborado um plano para a criação de um projeto associativista para o Calolé.

 Coordenado por Luis Antônio Costa Araújo, conhecido como Lu Cachoeira, atual provedor da Santa Casa de Cachoeira. Epecialista em planejamento, Lu trouxe para Cachoeira, a experiência vitoriosa do projeto socioeconômico implantado pela CAR- Coordenadoria de Ação Regional- orgão do governo do estado, onde trabalhou até se aposentar - no município de Sobradinho com assentados da Barragem do Sobradinho.

Colaborador da gestão do prefeito Salustiano, também seu genitor, Lu articulou a integração de órgãos do estado, a exemplo da extinta Ematerba- Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural da Bahia, INCRA,CAR e Embrapa- Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, unidade de Cruz das Almas especializada em Mandioca e Fruticultura, dentre outras instituições.

Com mobilização, assistência técnica, suporte financeiro e integração institucionais foi então criado e implantado o "Projeto Cidadão Calolé" que levou para aquela comunidade, esquecida e abandonada, inovações tecnológicas para o manejo e cultivo da terra com ênfase no associativismo. Para isso, atuou uma equipe composta por engenheiros agrônomos, técnicos agrícolas, extensionistas e educadores sociais.

Os ex-posseiros do Calolé que, até então, plantavam em pequenos espaços com técnicas tradicionais sem insumos e individualmente, passaram a trabalhar coletivamente numa área comum.

Foram meses de trabalho intenso com reuniões, viagens para Salvador e Cruz das Almas, mas o projeto saiu do papel para a prática.

A terra foi arada e gradeada com tratores agrícolas e a prefeitura executou melhorias nas estradas vicinais à época intransitável. Ex-posseiros e familiares, que não possuíam nenhum documento, foram encaminhados para se legalizarem e ser reconhecidos como cidadãos de fato e de direito perante a sociedade.

Pesquisas foram realizadas para conhecer as necessidades básicas da comunidade como educação, saúde e moradia, com a finalidade de promover intervenções de melhorias.

Com a terra pronta e a mobilização comunitária foi feito o primeiro plantio coletivo da zona rural de Cachoeira. A cultura escolhida foi de milho com o uso da semente BR, fruto do trabalho científico dos pesquisadores da Embrapa, que garantiu mais qualidade e produtividade do produto.

Toda produção foi comercializada, sem atravessador, diretamente pelos próprios plantadores na Ceasa e Feira de São Joaquim e os lucros repartidos igualitariamente entre os trabalgadores . Depois do milho veio o plantio de quiabo com uma grande safra e o processo de comercialização seguiu o mesmo caminho do milho E assim seguia o projeto. A prefeitura esteve sempre dando apoio e suporte para o sucesso do projeto Cidadão Calolé que durou até o final do mandato do prefeito Salustiano Coelho de Araújo.

Com o final da gestão, o sucessor do ex- prefeito, extinguiu todas as ações do Projeto Cidadão Calolé, considerada a maior iniciativa de reparação do século XX para descendentes de pessoas escravizadas em terras de antigos engenhos de cana de açúcar de Cachoeira no Recôncavo Baiano.

O desmonte do "Projeto Cidadão Calolé", reconhecido agora como área quilombola pelo Governo Federal, aconteceu com a criminalização e espetacularização dos atos com a utilização dos meios de comunicação regional patrocinados pelos responsáveis pela destruição de uma iniciativa pioneira pensada para o desenvolvimento do homem do campo com autonomia e liberdade, a fim de extinguir as amarras do assistencialismo tão arraigado nas gestões populistas.

Com o fim do projeto, até os dias atuais nenhuma ação com a mesma grandiosidade foi realizada na área rural de Cachoeira, mas as orquestrações destruidoras seguem desmontando até mesmo instituições seculares, a exemplo da Santa Casa, Monte Pio dos Artistas Cachoeiranos, Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte e mais recentemente ataques à Sociedade Orpheica Lyra Ceciliana.

*Alzira Costa é jornalista, moradora de Cachoeira, no Recôncavo Baiano.

Siga-nos no Google NewsFacebook e Instagram. Participe dos nossos grupos no WhatsApp ou do nosso canal

Postagem Anterior Próxima Postagem

نموذج الاتصال