CESE aprova Relatório Anual e soma força a comunidades de São Félix

Foto: Reprodução
Representações de organizações ecumênicas, movimentos populares, a equipe da CESE e igrejas que a compõem visitaram na quinta (06/06) comunidades pesqueiras de São Félix (BA), que vivem às margens do Rio Paraguaçu. A imersão na realidade do Recôncavo baiano permitiu: vislumbrar os impactos que os moradores e moradoras da região (que são basicamente trabalhadores/as da pesca) sofrem, em razão da ação de megaempreendimentos; e concretizar uma das missões da Assembleia anual da Coordenadoria Ecumênica de Serviço, que consiste em sensibilizar e reunir confissões de fé para as lutas por direitos de grupos populares.

Nesta edição, a Assembleia se sintonizou com a agenda da Semana de Oração pela Unidade Cristã 2019, que chama a atenção para os crimes ambientais provocados pelos interesses econômicos de grupos financeiros que têm na mineração a sua geração de riquezas – e que ainda fizeram morrer o Rio Doce, o Rio Paraopeba e com ameaças ao Rio São Francisco.

Durante visita ao território e à roda de diálogo, a comunidade local relatou que a poluição das águas vem sendo ocasionada pela junção dos seguintes elementos: despejo de dejetos no rio pela ETE (Estação de Tratamento de Esgoto de Muritiba); liberação de resíduos da fábrica de curtume (a Mastrotto Reich); e represamento das águas pela Barragem de Pedra do Cavalo e ação da usina hidrelétrica

Moisés Borges, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), informa que, no Brasil, já existem 1 milhão de atingidos. “Essas empresas nos consideram como ‘afogados’, como se não tivéssemos história. Esse passivo [que elas acarretam] tem que ser pago. Não só o dinheiro, mas em políticas públicas também”, adverte Moisés. “Existe um padrão de violação de direitos na construção de barragens no Brasil. O MAB vem pra somar na luta que vocês fazem nessa região. Quando unificamos força e vamos pra cima, conseguimos arrancar o que nos é de direito, nossos direitos fundamentais”.

Romi Bencke, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), reforça que essa não é uma problemática que deve ser preocupação apenas das populações afetadas. “O Brasil, a América Latina tem muita água e esta será a guerra do século 21. Eu gostei muito da fala do companheiro do MAB, quando disse que se a pedra bateu num companheiro aqui da Bahia a pessoa lá do Sul precisa sentir, porque a água é o que nos une. Acho que também a água é o que vai abrir uma enxurrada contra o fundamentalismo que muitas igrejas têm sentido ultimamente”.

Ana Gualberto, de Koinonia, reflete sobre as saídas que vê para os problemas da comunidade. “Atuo nas comunidades do Baixo Sul, em Camamu, que estão sendo impactadas por três empresas de mineração. A gente precisa compartilhar experiências e unir forças, precisamos estar junto desses outros movimentos que estão na luta pelos seus territórios, unificar essa luta pela água e garanti-la como direito”.

Foi apresentada também, durante a roda, a campanha de conservação da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu, que nasceu diante da morte do rio Utinga, em 2015, quando dezenas de ribeirinhos ficaram sem água pela primeira vez por 45 dias.

A reunião foi permeada por diversas expressões culturais, como apresentação de roda de samba de grupo mirim, percussão do projeto Afro Descendente, cânticos e feirinha de artesanato e comidas típicas. Diante da riqueza das trocas e dos compromissos assumidos para o fortalecimento das lutas dos pescadores e pescadoras da região, Antonio Bastos de Oliveira Neto, mais conhecido como Taffarel, pondera: “a vinda de vocês aqui mostra que nós não estamos sozinhos e também para reverberar para o poder público. Mostra também para a comunidade que é possível a gente continuar sonhando”, avalia o representante do Instituto Afroamérica, concluindo a visita da Assembleia da CESE ao município de São Félix.

Colaboraram também com as discussões da tarde de quinta o Conselho dos Pescadores (CPP) e Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).

PARECER SOBRE O RELATÓRIO

No segundo e último dia (07), o grupo se reuniu na CESE para avaliação do relatório de atividades e financeiro da CESE (2018) e análise das propostas de alteração do atual Estatuto. Todo material foi aprovado, sem ressalvas.

Uma mística que remete ao tema da água como bem comum congregou as representações das igrejas e organismos ecumênicos presentes, finalizando a Assembleia Geral 2019.

CARTA FINAL DA ASSEMBLEIA

“Procurarás a justiça, nada além da justiça” (Dt 16.11-20)

Provocados e provocadas pelo tema bíblico que anima a Semana de Oração pela Unidade Cristã, nós, igrejas, organizações ecumênicas e inter-religiosas, pastorais sociais e movimentos sociais fomos ao encontro da comunidade do Bairro 135, em São Félix, localizada no Recôncavo Baiano. Nosso objetivo foi buscar sinais de justiça junto a uma população que ainda sofre as consequências da escravização do povo negro e do racismo estrutural, um dos principais pilares da desigualdade social brasileira.

Depois de conhecer a história da Barragem e Hidroelétrica Pedra do Cavalo, ouvimos as histórias de vida de moradores e moradoras da comunidade do Bairro 135, no município de São Félix/ BA. Nesta escuta-ativa-dialogal compreendemos que na comunidade a construção e a permanência da Barragem Pedra do Cavalo trouxe e consolidou situações de injustiça. Não há justiça na comunidade do Bairro 135. Os moradores e as moradoras são os impactados pela distorção da justiça. A falta de justiça se percebe na absolutização do “direito” de um grupo financeiro enriquecer com a exploração do Rio Paraguaçu, destruindo o complexo ecossistema criado no entorno do rio.

Os principais impactos da injustiça percebidos na comunidade são a violência psicológica, pois existe constantemente medo de a barragem romper, inundando e destruindo o povoado; além não há áreas de lazer. O esgoto do município de Muritiba e os dejetos produzidos pela empresa Mastrotto Brasil são despejados no rio Paraguaçu, obrigando o povoado a viver em meio à poluição e ao mau cheiro e levando à destruição do bioma e à diminuição da pesca, uma das principais fontes de renda da população. Essa injustiça atinge também nossos valores sagrados, uma vez que a água é um elemento que está presente na maioria das tradições de fé.

E o desmonte de políticas públicas - como o Minha Casa Minha Vida - gera desemprego e diminui as alternativas de renda, pois um número significativo de moradores trabalhava na construção civil.

Estes fortes sinais de injustiça colocam a população diante de outros desafios como o de lidar com o tráfico de drogas, que seduz as juventudes - que veem aí a possibilidade de ascensão social e econômica - e com o alcoolismo que impacta mulheres e homens que perderam sua principal fonte de renda: a pesca.

“Procurarás a justiça, nada além da justiça” é a provocação que nos desafiou a irmos ao encontro da mencionada comunidade em São Félix. Pois não nos cabe o direito de ficarmos calados e caladas. Juntamos, portanto, nossas vozes às vozes das crianças, jovens, mulheres e homens de São Félix para reivindicar:

• Que o município de Muritiba pare de escoar seu esgoto no rio Paraguaçu;

• Que o Ministério Público Estadual medeie ações de reparação e mitigação para com a comunidade;

• Que o Grupo Votorantim, que administra a Usina Hidroelétrica de Pedra do Cavalo, dialogue com a comunidade, mediado pelo Ministério Público, a fim de iniciar um processo de reversão e reparação dos impactos provocados;

• Revitalização do Rio Paraguaçu para que a pesca retorne e as manifestações do sagrado sobrevivam;

• Que a administração municipal de Cachoeira cobre imediatamente da empresa Mastrotto Brasil a implementação de um sistema de tratamento dos dejetos para que estes não sejam lançados in natura no Rio Paraguaçu.

Sinais de justiça somente são perceptíveis se seres humanos, ecossistemas e as manifestações dos sagrados tiverem o direito à plena existência. Por isso, declaramos que toda a violação de direitos provocada pela absolutização do lucro é idolatria e viola a justiça da graça de Deus.

Fonte: CESE
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